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Esse Blog é mais um meio para dialogarmos sobre leituras diversas.

15 setembro, 2011

Ou isto Ou Aquilo ( Cecília Meireles)






OU ISTO OU AQUILO é um dos mais belos e importantes livros de poesia para criança, nascida da extrema sensibilidade de Cecília Meireles.Os poemas falam dos sonhos e fantasias que povoam o mundo infantil. A casa da avó, os jogos e brinquedos, os anjos, animais e flores ganham vida
nos poemas suaves e musicais de Cecília Meireles.  Em 1987, a Nova Fronteira lançou uma edição de luxo, com belas ilustrações de Fernando Correia Dias, neta de Cecília.
 Agora o livro aparece em uma nova edição destinada ao grande público e não menos bonita, com ilustrações de Beatriz Berman, artista plástica argentina radicada no Brasil e consagrada internacionalmente, tendo recebido, entre outros, o Prêmio de Desenho da Fundação Joan Miró, de Barcelona.  Este livro, publicado pela primeira vez em 1964, vem encantando sucessivas gerações e agrada não só às crianças, mas também aos jovens e adultos.
  
  *********************
 
INTRODUÇÃO

Você que vai ler este livro, não sei que idade terá. Não posso prever. Seja qual for, você terá uma surpresa, porque este é um livro mágico. Gostaria que você imaginasse a menina Cecília, sem pai nem mãe, apenas com sua avó Jacinta Garcia Benevides, debruçada sobre um tapete, descobrindo o mundo. Que tapete
seria esse? Certamente parecido com esses que aparecem nas histórias orientais, com pássaros e flores, e muitos caminhos retorcidos onde ela imaginava o labirinto do sonho. As Solidão de menina, e da atenção sobre as coisas que passam, ou pelas quais passamos, se nutriu a poeta Cecília Meireles, que depois
foi mãe, avó e mestra. Todas estas experiências estão neste livro, que é como aquele tapete povoado de mistérios. Cecília entendia as crianças. Transitou com leveza entre os netos que foram tão simples e curiosos como vocês. Foi colhendo uma coisa ali, outra acolá, um cachimbo dourado de cabelo, uma birra, até um
pensamento triste, e transformou tudo em matéria de vida. Mas esta Cecília tinha um amor muito especial pela palavra. E resolveu brincar, fazer ciranda com os sons, entrelaçar os fatos com rimas ingênuas, musicar o pensamento. Leia em voz alta, sinta que está cantando. Estas coisas que hoje estão na boca de todo
mundo, como medida de salvação, você pode encontrar neste livro. A paz, o amor, a solidariedade, até a solidão. Tudo é bom e bonito quando a gente acredita e pensa pra cima. Cecília também foi uma professora, mas sem regras fechadas. Ensinar como abrir a cortina de um palco, onde a beleza paira na ponta do pé, e
tudo tem razão de ser. Vocês não imaginam como era o sorriso de Cecília. Tinha uma doçura e uma tolerância que só a boa mestra pode ter. De tal forma que nem era preciso mostrar-se carrancuda ou severa. Ela sorria e a gente se iluminava, como se houvesse um sino perdido anunciando boas ovas. Então a gente aprendia sem muito esforço, valorizando o silêncio, aprendendo a ver, a jogar com as palavras, a descobrir um sentido novo em cada imagem. É com esta artimanha da inteligência ela ensinou coisas incríveis para crianças, como você que possivelmente me lê, e para adultos que um dia caíram na malha dourada do seu
fascínio. Estou falando de poesia, estudando com aplicação a forma correta de  colocar este livro em suas mãos, e de poder ajudar na descoberta de qualquer mínimo detalhe, desses que o respeito e o amor sempre conseguem revelar de forma nova. Tem um poema neste livro que me agrada sobremaneira. Ele se chama "O
Último Andar", e Cecília diz:
   
  "No último andar é mais bonito:
  do último andar se vê o mar.
  É lá que eu quero morar."

    Hoje Cecília mora prazerosamente no último andar, e deixou em suas mãos a
música perfeita de sua canção.
      Walmir Ayalaa
   Rio de Janeiro, 1990

   
 Colar de Carolina 
 Com seu colar de coral,   Carolina 
 corre por entre as colunas da colina.
 O colar de Carolina
 colore o colo de cal,
 torna corada a menina.
 E o sol, vendo aquela cor 
 do colar de Carolina,
 põe coroas de coral
 nas colunas da colina.

  Pescaria
  Cesto de peixes no chão.
  Cheio de peixes, o mar.
  Cheiro de peixe pelo ar.
  E peixes no chão.
  Chora a espuma pela areia,
  na maré cheia.
  As mãos do mar vêm e vão,
  as mãos do mar pela areia
  onde os peixes estão.
  As mãos do mar vêm e vão,
  em vão.
  Não chegarão
  aos peixes do chão.
  Por isso chora, na areia,
  a espuma da maré cheia.

Modo da Menina Trombuda
 É a moda
 da menina muda
 da menina trombuda
 que muda de modos
 e dá medo.
 (A menina mimada!)
 É a moda
 da menina muda
 que muda
 de modos
 e já não é trombuda.
 (A menina amada!)


  O Cavalinho Branco
  À tarde, o cavalinho branco
  está muito cansado:
   mas há um pedacinho do campo
  onde é sempre feriado.
   O cavalo sacode a crina
  loura e comprida
   e nas verdes ervas atira
  sua branca vida.
   Seu relincho estremece as raízes
  e ele ensina aos ventos
   a alegria de sentir livres
  seus movimentos.
   Trabalhou todo o dia, tanto!
  desde a madrugada!
   Descansa entre as flores, cavalinho branco,
  de crina dourada!


  Jogo de Bola
  A bela bola
  rola:
  a bela bola do Raul.
   Bola amarela,
  a da Arabela.
   A do Raul,
  azul.
   Rola a amarela
  e pula a azul.
  A bola é mole,
  é mole e rola.
  A bola é bela,
  é bela e pula.
   É bella, rola e pula,
  é mole, amarela, azul.
   A de Raul é de Arabela,
  e a de Arabela é de Raul

  Tanta Tinta
  
  Ah! Menina tonta,
  toda suja de tinta
  mal o sol desponta!
  
  (Sentou-se na ponte,
  muito desatenta...
  E agora se espanta:
  Quem é que a ponte pinta
  Com tanta tinta?...)
  
  A ponte aponta
  e se desaponta.
  A tontinha tenta
  limpa a tinta,
  ponto por ponto
  e pinta por pinta...
  Ah! A menina tonta!
  Não viu a tinta da ponte!


  Bolhas
  
  Olha a bolha d’água
  no galho!
  Olha o orvalho!
  
  Olha a bolha de vinho
  na rolha!
  Olha a bolha!
  
  Olha a bolha na mão
  Que trabalha!
  
  Olha a bolha de sabão
  na ponta da palha:
  brilha, espelha
  e se espalha.
  Olha a bolha!
  
  Olha a bolha
  que molha
  a mão do menino:
  
  A bolha da chuva da calha!

  Leilão de Jardim!   
  Quem me compra um jardim
  com flores?
  
  borboletas de muitas
  cores,
  
  lavadeiras e
  passarinhos,
  
  ovos verde e azuis
  nos ninhos?
  
  Quem me compra este
  caracol?
  
  Quem compra um raio
  de sol?
  
  Um lagarto entre o muro
  e a hera,
  
  Uma estátua da
  Primavera?
  
  Quem me compra este
  formigueiro?
  
  E este sapo, que é
  jardineiro?
  
  E a cigarra e a sua
  canção?
  E o grilinho dentro
  do chão?
  (Este é o meu leilão!)



  Rio na Sombra
 
  Som
  frio.

  Rio
  sombrio.
 
  O longo som
  do rio
  frio.
 
  O frio
  bom
  do longo rio.
  Tão longe,   tão bom,
  tão frio
  o claro som
  do rio
  sombrio!


  Os Carneirinhos
 
  Todos querem ser pastores,
  quando encontram, de manhã,
  os carneirinhos,
  enroladinhos
  como carretéis de lã.
 
  Todos querem ser pastores
  e ter coroas de flores
  e um cajadinho na mão
  e tocar uma flautinha
  e soprar numa palhinha
  qualquer canção.
 
  Todos querem ser cantores
  quando a Estrela da Manhã
  brilha só, no céu sombrio,
  e, pela margem do rio,
  vão descendo os carneirinhos
  como carretéis de lã...


  A bailarina
  
  Esta menina
  tão pequenina
  quer ser bailarina.
  
  Não conhece nem dó nem ré
  mas sabe ficar na ponta do pé.
  
  Não conhece nem mi nem fá
  mas inclina o corpo para cá e para lá.
  
  Não conhece nem lá nem si,
  mas fecha os olhos e sorri.
  
  Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
  e não fica tonta bem sai do lugar.
  
  Põe no cabelo uma estrela e um véu
  e diz que caiu do céu.
  
  Esta menina
  tão pequenina
  quer ser bailarina.
     Mas depois esquece todas as danças,
  e também quer dormir como as outras crianças.


  O Mosquito Escreve 
 
  O mosquito pernilongo
  trança as pernas, faz um M,
  depois, treme, treme, treme,
  faz um O bastante oblongo,
  faz um S.
 
  O mosquito sobe e desce.
  Com artes que ninguém vê,
  faz um Q,
  faz um U, e faz um I.
 
  Este mosquito
  esquisito
  cruza as patas, faz um T.
  E aí,
  se arredonda e faz outro O,
  mais bonito.
 
  Oh!
  Já não é analfabeto,
  esse inseto,
  pois sabe escrever seu nome.
 
  Mas depois vai procurar
  alguém que possa picar,
  pois escrever cansa,
  não é, criança?
 
  E ele está com muita fome.


  A Lua é do Raul
 
  Raio de lua.
  Luar.
  Luar do ar
  azul.
 
  Roda da lua.
  Aro da roda
  na tua
  rua,
  Raul!
 
  Roda o luar
  na rua
  toda azul.  
  Roda o aro da lua.
 
  Raul,
  a lua é tua,
  a lua de tua rua!
 
  A lua do aro azul!


  Sonhos da Menina
 
  A flor com que a menina sonha
  está no sonho?
  ou na fronha?
 
  Sonho
  risonho:
 
  O vento sozinho
  no seu carrinho.
 
  De que tamanho
  seria o rebanho?
 
  A vizinha
  apanha
  a sombrinha
  de teia de aranha ...
 
  Na lua há um ninho
  de passarinho.
 
  A lua com que a menina sonha
  é o linho do sonho
  ou a lua da fronha?


  O Menino Azul
 
  O menino quer um burrinho
  para passear.
  Um burrinho manso,
  que não corra nem pule,
  mas que saiba conversar.
 
  O menino quer um burrinho
  que saiba dizer
  o nome dos rios,
  das montanhas, das flores,
  - de tudo o que aparecer.
 
  O menino quer um burrinho
  que saiba inventar histórias bonitas
  com pessoas e bichos   e com barquinhos no mar. 
  
  E os dois sairão pelo mundo
  que é como um jardim
  apenas mais largo
  e talvez mais comprido
  e que não tenha fim.
 
  (Quem souber de um burrinho desses,
  pode escrever
  para a Ruas das Casas,
  Número das Portas,
  ao Menino Azul que não sabe ler.)


  As Meninas
 
  Arabel
abria a janela.
 
  Carolina
  erguia a cortina.
 
  E Maria
  olhava e sorria:
  "Bom dia!"
 
  Arabela
  foi sempre a mais bela.
 
  Carolina,
  a mais sábia menina.
  
  E Maria
  apenas sorria:
  "Bom dia!
 
  Pensaremos em cada menina
  que vivia naquela janela;
  uma que se chamava Arabela,
  outra que se chamou Carolina.
 
  Mas a nossa profunda saudade
  é Maria, Maria, Maria,
  que dizia com voz de amizade:
  "Bom dia!"


  Rômulo Remo
 
  Rômulo rema no rio.
 
  A romã dorme no ramo,
  a romã rubra. (E o céu.)
    O remo abre o rio.
  O rio murmura.
 
  A romã rubra dorme
  cheia de rubis. (E o céu.)
 
  Rômulo rema no rio.
 
  Abre-se a romã.
  Abre-se a manhã.
 
  Rolam rubis rubros do céu.
  
  No rio,
  Rômulo rema.


  As duas velhinhas
  
  Duas velhinhas muito bonitas,
  Mariana e Marina,
  estão sentadas na varanda:
  Marina e Mariana.
  
  Elas usam batas de fitas,
  Mariana e Marina,
  e penteados de tranças:
  Marina e Mariana.
  
  Tomam chocolate, as velhinhas,
  Mariana e Marina,
  em xícaras de porcelana:
  Marina e Mariana.
  
  Uma diz: “Como a tarde é linda,
  não é Marina?”
  A outra diz: “Como as ondas dançam,
  não é, Mariana?
  
  “Ontem, eu era pequenina”,
  diz Marina.
  “Ontem, nós éramos crianças”,
  diz Mariana.
  
  E levam à boca as xicrinhas,
  Mariana e Marina,
  as xicrinhas de porcelana:
  Marina e Mariana.
  
  Tomam chocolate, as velhinhas,
  Mariana e Marina.
  E falam de suas lembranças,
  Marina e Mariana.


   O último andar
  
  No último andar é mais bonito:
  do último andar se vê o mar.
  É lá que eu quero morar.
  
  O último andar é muito longe:
  custa-se muito a chegar.
  Mas é lá que eu quero morar.
  
  Todo o céu fica a noite inteira
  sobre o último andar.
  É lá que eu quero morar.
  
  Quando faz lua, no terraço
  fica todo o luar.
  É lá que eu quero morar.
  
  Os passarinhos lá se escondem,
  para ninguém os maltratar:
  no último andar.
  
  De lá se avista o mundo inteiro:
  tudo parece perto, no ar.
  É lá que eu quero morar:
  
  no último andar.

  Canção de Dulce
  
  Dulce, doce Dulce,
  menina do campo,
  de olhos verdes de água
  de água e pirilampo.
  
  Doce Dulce, doce
  dócil, estendendo
  pelo sol lençóis
  entre anil e vento.
  
  Dócil, doce Dulce
  de face vermelha,
  doce rosa airosa
  a fugir da abelha
  
  da abelha, de vespas
  e besouros tontos
  pelo arroio de ouro
  de seixos redondos...



  A língua do nhem
  
  Havia uma velhinha   que andava aborrecida
  pois dava a sua vida
  para falar com alguém.
  
  E estava sempre em casa
  a boa da velhinha,
  resmungando sozinha:
  
  nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
  
  O gato que dormia
  no canto da cozinha
  escutando a velhinha,
  principiou também
 
  a miar nessa língua
  e se ela resmungava,
  o gatinho a acompanhava:
  
  nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
  
  Depois veio o cachorro
  da casa da vizinha,
  pato, cabra e galinha,
  de cá, de lá, de além,
  
  e todos aprenderam
  a falar noite e dia
  naquela melodia
    
  nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
  
  De modo que a velhinha
  que muito padecia
  por não ter companhia
  nem, falar com ninguém,
  
  ficou toda contente,
  pois mal a boca abria
  tudo lhe respondia:
  
   nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...



  Cantiga da babá

  
  Eu queria pentear o menino
  como os anjinhos de caracóis.
  Mas ele quer cortar o cabelo,
  porque é pescador e precisa de anzóis.
  
  Eu queria calçar o menino
  com umas botinhas de cetim.
  Mas ele diz que agora é sapinho
  e mora nas águas do jardim.
     Eu queria dar ao menino
  umas asinhas de arame e algodão.
  Mas ele diz que não pode ser anjo,
  pois todos já sabem que ele é índio e leão.
  
  (Este menino está sempre brincando,
  dizendo-me coisas assim.
  Mas eu bem sei que ele é um anjo escondido,
  um anjo que troça de mim.)


  A avó do menino
  
  A avó
  vive só.
  Na ca da avó
  o galo liró
  faz “cocorocó!”
  A avó bate pão-de-ló
  e anda um vento-t-o-tó
  na cortina de filó.
  
  A avó
  vive só.
  Mas se o neto meninó
  mas se o neto Ricardó
  mas se o neto travessó
  vai à casa da avó,
  os dois jogam dominó.


  O vestido de Laura
  
  O vestido de Laura,
  é de três babados,
  todos bordados.
  
  O primeiro, todinho,
  todinho de flores
  de muitas cores.
  
  No segundo, apenas
  borboletas voando,
  num fino bando.
  
  O terceiro, estrelas,
  estrelas de renda
  -- talvez de lenda...
  
  O vestido de Laura
  vamos ver agora,
  sem mais demora!
  
  Que as estrelas passam,
  borboletas, flores   perdem suas cores.
  
  Se não formos depressa,
  acabou-se o vestido
  todo bordado e florido!

  Enchente
  
  Chama o Alexandre!
  Chama!
  
  Olha a chuva que chega!
  É a enchente.
  Olha o chão que foge com a chuva...
  
  Olha a chuva que encharca a gente.
  Põe a chave na fechadura.
  Fecha a porta por causa da chuva,
  olha a rua como se enche!
  
  Enquanto chove, bota a chaleira
  no fogo: olha a chama! Olha a chispa!
  Olha a chuva nos feixes de lenha!
  
  Vamos tomar chá, pois a chuva
  é tanta que nem de galocha
  se pode andar na rua cheia!
 
  Chama o Alexandre!
  Chama!


  Roda na rua
  
  Roda na rua
  a roda do carro.
  Roda na rua a roda das danças.
  A roda na rua
  rodava no barro.
  Na roda da rua
  rodavam crianças.
  O carro, na rua.



  O eco
  
  O menino pergunta ao eco
  onde é que ele se esconde.
  Mas o eco só responde: “Onde? Onde?”
  
  O menino também lhe pede:
  “Eco, vem passear comigo!”
     Mas não sabe se o eco é amigo
  ou inimigo.
  
  Pois só lhe ouve dizer:
  “Migo!”


  Rola a chuva
  
  O frio arrepia
  a moça arredia.
  
  Arre
  que arrelia!
  
  Na rua rola a roda...
  Arreda!
  A rola arrulha na torre.
  
  A chuva sussurra.
  
  Rola a chuva
  rega a terra
  rega o rio
  rega a rua.
  
  E na rua a roda rola.
  

  O menino dos FF e RR
  
  O menino dos ff e rr
  
  é o Orfeu Orofilo Ferreira:
  
  Ai com tantos rr, não erres!


  Uma palmada bem dada
  
  É a menina manhosa
  que não gosta da rosa,
  
  que não quer a borboleta
  porque é amarela e preta,
  
  que não quer maçã nem pêra
  porque tem gosto de cera,
  
  que não toma leite
  porque lhe parece azeite,
  
  que mingau não toma
  porque é mesmo goma,   
  que não almoça nem janta
  porque cansa a garganta,
  
  que tem medo do gato
  e também do rato,
  
  e também do cão
  e também do ladrão,
  
  que não calça meia
  porque dentro tem areia,
  
  que não toma banho frio
  porque sente arrepio,
  
  que não quer banho quente
  porque calor sente,
  
  que a unha não corta
  porque sempre fica torta,
  
  que não escova os dentes
  porque ficam dormentes,
 
  que não quer dormir cedo
  porque sente imenso medo;
  
  que também tarde não dorme
  porque sente um medo enorme,
  
  que não quer festa nem beijo,
  nem doce nem queijo...
  
  Ó menina levada,
  quer uma palmada?
  
  Uma palmada bem dada
  para quem não quer nada!


  O tempo do temporal
  
  O tempo
  do temporal.
  O tempo ao tempo
  ao ar
  e ao pó
  do temporal.
  E o doente ao pé do templo.
  E o temporal no poente.
  E o pó no doente.
  
  O tempo do doente.
  
  O ar, o pó do poente.   O temporal do tempo.


  A flor amarela
  
  Olha
  a janela
  da bela
  Arabela.
  
  Que flor
  é aquela
  que Arabela
  molha?
  
  É uma flor amarela.


  Canção da flor da pimenta
  
  A flor da pimenta é uma pequena estrela,
  fina e branca,
  a flor da pimenta.
  
  Frutinhas de fogo vêm depois da festa
  das estrelas.
  Frutinhas de fogo.
  
  Uns coraçõezinhos roxas, áureos, rubras,
  muito ardentes.
  Uns coraçõezinhos.
  
  E as pequenas flores tão sem firmamento
  jazem longe.
  As pequenas flores...
  
  Mudaram-se em farpas, sementes de fogo
  tão pungentes!
  Mudaram-se em farpas.
  
  Novas se abrirão,
  leves,
  brancas,
  puras,
  deste fogo,
  muitas estrelinhas...


  Na sacada da casa
  
  Na
  sacada
  a saca
  da caçada.   Na sacada da casa.
  E a casada
  na calçada.
  
  Quem se casa
  de casaca?
  
  Na sacada da casa
  a saca.
  Na saca, a asa.
  Asa e alça.
  A saca da caça.
  
  Quem se alça
  da sacada
  para a calçada?
  A menina descalça.
  A menina calada.
  
  E na calçada da casa,
  a casada.

  O violão e o vilão
  
  Havia a viola da vila.
  A viola e o violão.
  
  Do vilão era a viola.
  E da Olívia o violão.
  
  O violão da Olívia dava
  vida à vila, à vila dela.
  
  O violão duvidava
  da vida, da viola e dela.
  
  Não vive Olívia na vila.
  Na vila nem na viola.
  O vilão levou-lhe a vida,
  levando o violão dela.
  
  No vale, a vila de Olívia
  vela a vida
  no seu violão vivida
  e por um vilão levada.
  
  Vida de Olívia -- levada
  por um vilão violento.
  Violeta violada
  pela viola do vento.


 Procissão de pelúcia

Aonde é que vai o praça
  
  que passa
  de peliça,
  com pressa,
  na praça?
  
  Ia pôr uma compressa
  depressa
  no rei da Prússia?
  
  Mas o praça
  não sabe o preço
  para ir da praça
  à Prússia.
  
  E não há Prússia
  nem praça
  nem peliça
  nem compressa
  nem praça
  nem preço
  nem pressa...
  
  Há uma procissão
  que passa
  que passa na praça
  
  só com preces
  de pelúcia...



  Sonho de Olga
  
  A espuma escreve
  com letras de alga
  o sonho de Olga.
  
  Olga é a menina que o céu cavalga
  em estrela breve.
  
  Olga é a menina que o céu afaga
  e o seu cavalo em luz se afoga
  e em céu se apaga.
  
  A espuma espera
  o sonho de Olga.
  
  A estrela de Olga chama-se Alfa.
  Alfa é o cavalo de estrela de Olga.
  
  Quando amanhece, Olga desperta
  e a espuma espera
  o sonho de Olga,
  
  a espuma escreve   com letras de alga
  a cavalgada da estrela Alfa.
  
  A espuma escreve com algas na água
  o sonho de Olga...


  Os pescadores e suas filhas
  
  Os pescadores dormiam
  cansados, ao sol, nos barcos.
  
  As filhinhas dos pescadores
  brincavam na praça, de mãos dadas.
 
  As filhinhas dos pescadores
  cantavam cantigas de sol e de água.
  
  Os pescadores sonhavam
  com seus barcos carregados.
  
  Os pescadores dormiam
  cansados de seu trabalho.
  
  As filhinhas dos pescadores
  falavam de beijos e abraços.
  
  Em sonho, os pescadores sorriam.
  As meninas cantavam tão alto,
 
  que até no sonho dos pescadores
  boiavam as suas palavras.


  Jardim da igreja
  
  Dalila e Lélia,
  e Júlia e Eulália
  cortavam dálias.
  
  Dalila e Lélia,
  Eulália e Júlia
  cantavam dúlias.
  
  Dálias e dúlias
  E harpas eólias...
  
  E a alada lua
  -- alta camélia?
  -- célia magnólia?


  Uma flor quebrada
     A raiz era escrava,
  descabelada negrinha
  que dia e noite ia e vinha
  e para a flor trabalhava.
  
  E a árvore foi tão bela!
  Como um palácio. E o vento
  pediu um casamento
  a grande flor amarela.
  
  Mas a festa foi breve,
  pois era um vento tão forte
  que em vez de amor trouxe morte
  à airosa flor tão leve.
  
  E a raiz suspirava
  com muito sentimento.
  Seu trabalho onde estava?
  Todo perdido com o vento.


  O sonho e a fronha

  
  Sonho risonho
  na fronha de linho.
  Na fronha de linho,
  a flor sem espinho.
  
  Apanho a lenha
  para o vizinho.
  
  E encontro o ninho
  de passarinho.
  
  De que tamanho
  seria o rebanho?
  
  Não há quem venha
  pela montanha
  com a minha sombrinha
  de teia de aranha?
  
  Sonho o meu sonho.
  A flor sem espinho
  também sonha
  na fronha.
   Na fronha de linho.



  A folha na festa
  
  Esta flor
  não é da floresta.
     Esta flor é da festa,
  esta é a flor da giesta.
  
  É a festa da flor
  e a flor está na festa.
  
  (E esta folha?
  Que folha é esta?)
  
  Esta folha não é da floresta.
  
  Esta folha não é da giesta.
  
  Não é folha da flor.
  Mas está na festa.
  
  Na festa da flor
  na flor da giesta.



  O chão e o pão
  
  O chão.
  O grão.
  O grão no chão.
  
  O pão.
  O pão e a mão.
  A mão no pão.
  
  O pão na mão.
  O pão no chão?
  Não.



  A égua e a água
  
  A égua olhava a lagoa
  com vontade de beber água.
  
  A lagoa era tão larga
  que a égua olhava e passava.
  
  Bastava-lhe uma poça d’água,
  ah! Mas só daqui a algumas léguas.
  
  E a égua a sede agüentava.
  
  A água andava agora às cegas
  de olhos vagos nas terras vagas,
  buscando água.
  Grande mágoas!
  Pois o orvalho é uma gota exígua   e as lagoas são muito largas.



  O passarinho do sapé
  
  P tem papo
  o P tem pé.
  É o P que pia?
  
  (Piu!)
  
  Quem é?
  O P não pia:
  O P não é.
  O P só tem papo
  e pé.
  
  Será o sapo?
  O sapo não é.
  
  (Piu!)
  
  É o passarinho
  que fez seu ninho
  no sapé.
  
  Pio com papo.
  Pio com pé.
  Piu-piu-piu:
  Passarinho.
  
  Passarinho
  no sapé.



  A Pombinha da Mata
  
  Três meninos na mata ouviram
  uma pombinha gemer.
 
  "Eu acho que ela está com fome",
  disse o primeiro,
  "e não tem nada para comer."
  
  Três meninos na mata ouviram
  uma pombinha carpir.
 
  "Eu acho que ela ficou presa",
  disse o segundo,
  "e não sabe como fugir."
 
  Três meninos na mata ouviram
  uma pombinha gemer.
 
  "Eu acho que ela está com saudade",   disse o terceiro,
  "e com certeza vai morrer." 



  Cantiga para adormecer Lulu
  
  Lulu, lulu, lulu, lulu
  vou fazer uma cantiga
  para o anjinho de São Paulo
  que criava uma lombriga.
  
  A lombriga tinha uns olhos
  de rubim.
  Tinha um rabo revirado
  no fim.
  
  Tinha um focinho bicudo
  assim.
  Tinha uma dentuça muito
  ruim.
    
  Lulu, lulu, lulu, lulu
  vou fazer uma cantiga
  para o anjinho de São Paulo
  que criava essa lombriga.
 
  A lombriga devorara
  seu pão
  a banana, o doce, o queijo,
  o pião.
  
  A lombriga parecia
  um leão.
  
  E o anjinho andava triste
  e chorão.
  
  Lulu, lulu, lulu, lulu
  Pois eu faço esta cantiga
  para o anjinho de São Paulo
  que alimentava a lombriga.
 
  A lombriga ia fiando maior
  que o anjinho de São Paulo!
  (Que horror!)
  
  Mas um dia chega um
  caçador!
  Firma a sua pontaria,
  sem rumor.
  
  Lulu, lulu, lulu, lulu
  paro até minha cantiga
  sobre o anjinho de São Paulo!
  
  A espingarda faz pum pum!   pim pim!
  O anjinho abana as asas
  assim,
  
  A lombriga salta fora
  enfim!
  (E foi correndo! E tocava
  bandolim!)



  Lua depois da chuva
  
  Olha a chuva:
  molha a luva.
  
  Cada gota de água
  Como um bago de uva.
  
  A chuva lava a rua.
  A viúva leva
  o guarda-chuva
  e a luva.
  
  Olha a chuva:
  molha a luva
  e o guarda-chuva
  da viúva.
  
  Vai a chuva
  e chega a lua:
  lua de chuva.


  Pregão do vendedor de lima
  Lima rima
  pela rama
  lima rima
  pelo aroma.
  
  O rumo é que leva o remo.
  O remo é que leva a rima.
  
  O ramo é que leva o aroma
  porém o aroma é da lima.
  
  É da lima o aroma
  a aromar?
  
  É da lima-lima
  lima da limeira
  do auro da lima
  o aroma de ouro
  do ar! 


  Figurinhas I
  
  No claro jardim
  a menina chora
  pela borboleta
  que se foi embora.
  
  Ora, ora, ora,
  Não chore tanto!
  Nossa Senhora!
  
  A menina chora
  no claro jardim
  um choro sem fim.
  
  Nem o céu azul
  é bonito, agora,
  pois a borboleta
  já se foi embora.
  
  Não chore tanto!
  Nossa Senhora!
  
  Que choro sem fim
  a menina chora
  no claro jardim.
  
  Ora, ora, ora!



  Figurinhas II
  
  Onde está meu quintal
  amarelo e encarnado,
  com meninos brincando
  de chicote-queimado,
  com cigarras nos troncos
  e formigas no chão,
  e muitas conchas brancas
  dentro da minha mão?
  
  E Julia e Maria
  e Amélia onde estão?
  
  Onde está meu anel
  e o banquinho quadrado
  e o sabiá na mangueira
  e o gato no telhado?
  
  -- a moringa de barro,
  e o cheiro do alvo pão?
  E a tua voz, Pedrina,
  sobre meu coração?   Em que altos balanços
  se balançarão?...



  A chácara do Chico Bolacha
  
  Na chácara do Chico Bolacha
  o que se procura
  nunca se acha!
  
  Quando chove muito,
  O Chico brinca de barco,
  porque a chácara vira charco.
  
  Quando não chove nada,
  Chico trabalha com a enxada
  e logo se machuca
  e fica de mão inchada.
  
  Por isso, com Chico Bolacha,
  o que se procura
  nunca se acha.
  
  Dizem que a chácara do Chico
  só tem mesmo chuchu
  e um cachorrinho coxo
  que se chama Caxambu.
  
  Outras coisas, ninguém procura,
  porque não acha.
  Coitado do Chico Bolacha!



  Canção
  
  De borco
  no barco.
  (De bruços
  no berço...)
  
  O braço é o barco.
  O barco é o berço.
  
  Abarco e abraço
  o berço
  e o barco.
  
  Com desembaraço
  embarco
  e desembarco.
  
  De borco
  No berço...
  (De bruços
  no barco...) 


  O lagarto medroso
  
  O lagarto parece uma folha
  verde e amarela.
  E reside entre as folhas, o tanque
  e a escada de pedra.
  De repente sai da folhagem,
  depressa, depressa
  olha o sol, mira as nuvens e corre
  por cima da pedra.
  Bebe o sol, bebe o dia parado,
  sua forma tão quieta,
  não se sabe se é bicho, se é folha
  caída na pedra.
  Quando alguém se aproxima,
  
  -- oh! Que sombra é aquela? --
  o lagarto logo se esconde
  entre folhas e pedra.
  
  Mas, no abrigo, levanta a cabeça
  assustada e esperta:
  que gigantes são esses que passam
  pela escada de pedra?
  Assim vive, cheio de medo,
  intimidado e alerta,
  o lagarto (de que todos gostam)
  entre as folhas, o tanque e a pedra.
  
  Cuidadoso e curioso,
  o lagarto observa.
  E não vê que os gigantes sorriem
  para ele, da pedra.
  Assim vive, cheio de medo,
  intimidado e alerta,
  o lagarto (de que todos gostam)
  entre as folhas, o tanque e a pedra.




  Para ir à Lua
  
  Enquanto não têm foguetes
  para ir à Lua
  os meninos deslizam de patinete
  pelas calçadas da rua.
  
  Vão cegos de velocidade:
  mesmo que quebrem o nariz,
  que grande felicidade!
  Ser veloz é ser feliz.
  
  Ah! se pudessem ser anjos
  de longas asas!   Mas são apenas marmanjos.



  O santo no monte
  
  No monte,
  o Santo
  em seu manto,
  sorria tanto!
  
  Sorria para uma fonte
  que havia no alto do monte
  e também porque defronte
  se via o sol no horizonte.
  
  No monte
  o Santo
  em seu manto
  chora tanto!
  
  Chora – pois não há mais fonte,
  e agora há um moro defronte
  que já não deixa do monte
  ver o sol nem o horizonte.
  
  No monte
  o Santo
  em seu manto
  chora tanto!
  
  (Duro
  muro
  escuro!)



   Ou isto ou aquilo
 
  Ou se tem chuva e não se tem sol
  ou se tem sol e não se tem chuva!
 
  Ou se calça a luva e não se põe o anel,
  ou se põe o anel e não se calça a luva!
 
  Quem sobe nos ares não fica no chão,
  quem fica no chão não sobe nos ares.
 
  É uma grande pena que não se possa
  estar ao mesmo tempo em dois lugares!
 
  Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
  ou compro o doce e gasto o dinheiro.
 
  Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo ...
  e vivo escolhendo o dia inteiro!
    Não sei se brinco, não sei se estudo,
  se saio correndo ou fico tranquilo.
 
  Mas não consegui entender ainda
  qual é melhor: se é isto ou aquilo.


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