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Esse Blog é mais um meio para dialogarmos sobre leituras diversas.

23 novembro, 2011

Dia da Consciência Negra



Confesso que tinha preparado algo para postar sobre esse dia, ou melhor, sobre essa semana, mas a falta de tempo me consumiu e só agora estou postando algo de tamanha grandeza.
Porem, como ainda estamos na semana nacional dessa consciência...

O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado em 20 de Dezembro
No Brasil e é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade Brasileira. A semana dentro da qual está esse dia recebe o nome de Semana da Consciência Negra.
A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. O Dia da Consciência Negra procura ser uma data para se lembrar a resistência do negro à escravidão de forma geral, desde o primeiro transporte de africanos para o solo brasileiro (1594). http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_da_Consci%C3%AAncia_Negra

Algumas imagens e músicas ressaltam muito bem esse novo olhar sobre o negro.
Afinal todos nós somos Afros descentes... Eu tenho maior orgulho disso.




Vixi Mainha 
Café com Pão

Por essa nega eu ponho roupa nova
Uso óculos escuros
Desço do muro
Ela sabe me fazer feliz
Nega
Óculos escuros
Na parede, na parede, na parede
Do meu sonho
Ela pintou alegria, arrumou tudo em mim
Café com pão é bom
A brasileira, é brasileira, a brasileira
Vixi mainha, o neguinha
Tudo é tão bom
iooo mainha, o neguinha
Tudo é tempo
Vixi mainha,o neguinha
Tudo é tão bom
iooo mainha, o neguinha
Tudo é tempo
Por essa nega eu ponho roupa nova
Uso óculos escuros
Desço do murro
Ela sabe me fazer feliz
Nega
Óculos escuros
Na parede, na parede, na parede
Do meu sonho
Ela pintou alegria arrumou tudo em mim
Café com pão é bom
A brasileira, é brasileira, a brasileira
Vixi mainha, o neguinha
Tudo é tão bom
iooo mainha, o neguinha
Tudo é tempo
Vixi mainha,o neguinha
Tudo é tão bom
iooo mainha, o neguinha
Tudo é tempo
E tempo é tudo
Tudo é tempo
E tempo é nada
Tudo é tempo
E tempo é tudo
Tudo é tempo
E tempo é nada
Tudo é tempo e tempo é tudo
Tempo é tudo e tempo é nada
Tudo é tempo e tempo é tudo
Vixi mainha, o neguinha
Tudo é tão bom
iooo mainha, o neguinha
Tudo é tempo
Vixi mainha,o neguinha
Tudo é tão bom
iooo mainha, o neguinha
Tudo é tempo



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Negro Rei
(Cidade Negra)

Ayê
Ayê mãe África
Seus filhos vieram de longe
Só pra sofrer
Ayê
Ayê mãe África
Todo guerreiro
No seu terreiro
Sabe sua lei
E vai coroar negro rei [x3]
Ayê, ayê, ayê
Ika adobale ô
Ika adobale a
Ika adobale a, ea
Mãe África
Prende a tristeza meu erê
Sei que essa dor te faz sofrer
Mas guarda esse choro
Isso é um tesouro
Ó filhos de rei
O sol que queima a face
Aquece o desejo mais que otin
O sal escorre no corpo
E a dor da chibata é só cicatriz
Quem é que sabe como será o seu amanhã
Qualquer remanso é o descanso pro amor de Nanã
Esquece a dor axogun
Faz uma prece a Olorun
Na força de Ogun
Prende a tristeza meu erê
Sei que essa dor te faz sofrer
Mas guarda esse choro
Isso é um tesouro
Aos filhos de rei
Ayê yê yê, ayê yê yê
Ayê yê yê, ayê yê yê
Ayê mamãe África, o meu ilê
Ayê yê yê, ayê yê yê
Ayê yê yê, ayê yê yê
Brasil, mamãe África, meu ilê


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22 novembro, 2011

Ausência - Vinícius de Moraes






Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
 

MORAES, Vinícius de. ANTOLOGIA POÉTICA.

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19 novembro, 2011

Lygia Bojunga

Li e reli .. Muiiiito bom...



 A  professora e a Maleta
(Lygia Bojunga)

A Professora era gorducha; a maleta também. A Professora era jovem; a maleta era velha, meio estragada e de um lado tinha um desenho de um garoto e uma garota de mãos dadas.  Vestido igual, cabelo igual, sorriso igual! 
A Professora gostava de ver a classe contente.  Mal entrava na classe e já ia contando uma coisa engraçada.  Depois abria a maleta e escolhia o pacote do dia.  Tinha pacotes pequenininhos, médios, grandes tinha pacote embrulhado em papel de seda, metido em saquinho de plástico, tinha pacote de tudo quanto é cor.  Não era à toa que a maleta ficava gorda daquele jeito!
Só pela cor do pacote as crianças já sabiam o que ia acontecer: pacote azul era dia de inventar brincadeiras de juntar menina e menino; não ficava mais valendo aquela história mofada de menino só brincar disso, menina só brinca daquilo, meninos do lado de cá, meninas do lado lá.   Pacote cor-de-rosa era dia de aprender a cozinhar.  A Professora remexia no pacote, entrava e saia da classe e,de repente pronto!  Mostrava um fogão com botijãozinho de gás e tudo.  Era um  tal  de  experimentar   receita  que  só  vendo.  Um dia a diretora da escola entrou na sala, justo na hora que o Alexandre estava ensinando outro garoto a fazer bolinhos de trigo.  Uma fumaceira medonha na sala de aula!  Todas as crianças em volta do fogão palpitando: falta sal, bota pimenta, bota um pouquinho de salsa.  A diretora sabia que estava na hora da aula de matemática. Que matemática era aquela que a Professora estava inventando?   Não gostou da invenção, mas saiu sem dizer nada.  
Pacote vermelho era de viajar: saia retrato do mundo inteiro lá de dentro do pacote.  Espalhavam aquilo tudo pela classe; enfileiravam as carteiras para fingir de avião e de trem.  Quando chegavam aos retratos, um ia contando para o outro tudo o que sabia sobre aquele lugar. 
Tinha um pacote cor de burro quando foge que a Professora nunca chegou a abrir!  Todo dia ela botava o pacote em cima da mesa.  Mas na hora de abrir, ficava pensando se abria ou não e acabava guardando o pacote de novo.
Pacote verde era dia de aprender a pregar botão, botar fecho, fazer bainha na calça e na saia.  Se o verde era bem forte, era dia de aprender a cortar a unha e cabelo.  Verde bem clarinho era dia de consertar e limpar os sapatos.  E tinha ainda um verde, que não era forte nem claro: era um amarelo que as crianças adoravam.  Era dia da  Professora   abrir  o  pacote  de  história.  Cada história ótima!
Tinha um pacote branco, que só servia para a professora esconder e para a turma brincar de achar.  Quem achava ia para o quadro negro dar aula.  No princípio ninguém procurava direito.  Coisa mais chata dar aula!  E aula de quê?
_ Conta a tua vida.  Mostra o que você sabe fazer.
Com o tempo, a turma deu para procurar direito o pacote.  Era muito engraçada a tal aula!
No dia em que o Alexandre achou o pacote, resolveu contar para a turma como é que ele vendia amendoim na praia.  No melhor da aula, um grupo de pais de alunos que visitando a escola entrou na sala.  Quando a aula acabou um deles perguntou a Professora: − A senhora está querendo ensinar meu filho a ganhar a vida vendendo amendoim?  A Professora explicou que Alexandre só estava contando para os colegas como era o trabalho dele, para todos ficarem sabendo como é que ele vivia.
No outro dia saiu fofoca: contaram para o Alexandre que tinha um pessoal que não estava gostando da maleta da Professora. 
_ Que pessoal?
Um disse que era a diretora, outro disse que era uma outra  professora,   outro  disse  que  outro  falou,  mas  ninguém  ficou  sabendo  direito!
Uns dias depois choveu muito!  Chuva grossa.  Encheu a rua, o tráfego da cidade parou, casa desmoronou.  Coisa a beça aconteceu.  E quase ninguém foi à Escola.  Mas Alexandre foi.
Entrou na classe e viu tudo vazio.  Chovia demais para voltar para casa.  Resolveu sentar e esperar.  Lá pelas tantas a Professora chegou.  Mas chegou sem a maleta.  E com jeito diferente, uma cara meio inchada, não contou coisa engraçada, não riu nem nada.  Sentou e ficou olhando para o chão.  Alexandre achou que ela nem tinha visto ele.
_ Oi!
Ela também disse oi!  Mas continuou quieta.  Depois de algum tempo, Alexandre cansou de tanto ninguém dizer nada  e  falou:
_ A chuva molhou sua cara?
A professora nem se mexeu.  Ele perguntou:
_ Foi a chuva?
Ela fez que sim com a cabeça.  Alexandre resolveu esperar mais um pouco.  Mas pelo jeito a Professora tinha esquecido  de  dar  aula.  Será que era porque ela não tinha trazido a maleta?  Arriscou:
_ Cadê a maleta?
A Professora olhou para ele sem saber muito bem o que dizer.  Ele insistiu: 
_ Heim?  Cadê?
_ Perdi
Ele se apavorou:
_ Com tudo que tinha dentro?
_ É
_ Os pacotes todos?
_ É
_ O azul, o verde, o...
_ É... É... É!
Puxa que susto!  Ela nunca tinha falado alto assim.  Não perguntou mais nada.  O coração ficou batendo, batendo, mas ela continuava sempre quieta até que ele não se aguentou  e  perguntou  de  novo:
_ E agora?  Como é que vai dar aula sem maleta?
_ Não sei.
_ Dá jeito de você comprar os pacotes de novo?
_ Não.
_ Por quê?
Ela não disse nada.
_ Responde... Por quê?
_ Eles vêm junto com a maleta? Não vendem separados?
_ Mas então compra outra maleta.  Pronto.
Ela ficou quieta de novo.  E o tempo ia passando e ela continuava sempre quieta!   A cara dela não secava nunca e não chovia lá dentro.   Cada vez molhava mais!  Então ele acabou pedindo:
_ Compra, sim?
_ Não dá Alexandre, eles não estão mais fabricando essas maletas hoje em dia.
E aí... ele  não  perguntou  mais  nada.  Ela também não falou mais.  Até que a campainha tocou e a aula acabou. 


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17 novembro, 2011

Simplesmente Clarice



Nada melhor do que uma bela leitura depois de um tempinho sem postar...
Com vocês, Clarice.


Uma esperança
Clarice Lispector

Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto. 
Houve um grito abafado de um de meus filhos: 
— Uma esperança! E na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede.
Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser. 
— Ela quase não tem corpo, queixei-me. 
  Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças. 
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender. 
— Ela é burrinha, comentou o menino. 
— Sei disso, respondi um pouco trágica. 
— Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita. 
— Sei, é assim mesmo. 
— Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas. 
— Sei, continuei mais infeliz ainda. 
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando-a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse. 
— Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim. 
Andava mesmo devagar  -  estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo. 
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia "a" aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê-la.
Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança: 
— É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte... 
— Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade. 
— Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros - falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança. 
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo. 
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la. 
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu
braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença.
Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: "e essa agora? que devo fazer?" Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada. 


In: Felicidade Clandestina. Ed. Rocco, Rio de Janeiro: 1998

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